Com o rápido avanço da inteligência artificial (IA), que se torna cada vez mais precisa, autônoma e adaptativa, surge uma questão essencial entre cientistas de dados e gestores: qual será o papel das decisões humanas em um ambiente onde sistemas inteligentes predominam? A resposta, ao invés de substituir o fator humano, está em fomentar uma colaboração eficaz entre pessoas e IA, estabelecendo papéis complementares nas tarefas analíticas, sem comprometer o controle estratégico e o julgamento ético fundamentais.
Este artigo resume uma palestra realizada no evento DAAI-2025, com foco na implementação de Agentes Analíticos baseados em IA, abordando os fundamentos teóricos, arquiteturas práticas e aprendizados reais na construção de sistemas colaborativos entre humanos e algoritmos.
Fundamentos Cognitivos Inspirados em Daniel Kahneman
Em seu livro seminal, “Rápido e Devagar”, Daniel Kahneman (2011) descreve dois sistemas cognitivos que guiam o pensamento humano:
- Sistema 1: rápido, intuitivo e automático, ideal para decisões rotineiras, como reconhecer rostos ou evitar perigos.
- Sistema 2: lento, racional e analítico, ativado em tarefas complexas, como planejamento estratégico ou resolução de problemas matemáticos.
Esses sistemas têm inspirado a criação de modelos analíticos e pipelines de IA, delegando decisões rápidas a modelos semelhantes ao Sistema 1 e decisões complexas a modelos que imitam o Sistema 2.
A Contribuição de Noam Brown e a Evolução dos LLMs
Pesquisas conduzidas por Noam Brown, como Libratus (Brown e Sandholm, 2019) e Cicero (Meta AI, 2022), mostram que aumentar os modelos de IA em escala não necessariamente aumenta sua inteligência efetiva. Brown propõe que o raciocínio estruturado, a lógica explícita e processos iterativos de verificação produzem resultados superiores, com menor custo computacional e ambiental.
Modelos recentes, como o GPT-o3 da OpenAI, têm adotado essa abordagem, valorizando mais a organização eficiente do raciocínio lógico do que a simples ampliação de parâmetros.
Sistema 3: O Elemento “Demasiadamente Humano”
O conceito de Sistema 3, introduzido pela MURABEI, ressalta o papel insubstituível da cognição humana em decisões estratégicas. Diferentemente dos Sistemas 1 e 2 – já amplamente operacionalizados por inteligências artificiais -, o Sistema 3 é exclusivo da mente humana. Ele incorpora variáveis subjetivas, como julgamentos éticos, impactos sociais, medos e incertezas, que permanecem fora do alcance das capacidades atuais da IA. Trata-se de um domínio onde a intuição, a experiência e o contexto desempenham papel central na formulação de escolhas críticas.
Um modelo que reflete profundamente esse raciocínio humano é a Inferência Bayesiana (Migon et al., 2014). Este método imita a forma natural como aprendemos, permitindo uma atualização contínua e rigorosa das crenças conforme novas evidências surgem. Quando aplicado adequadamente, o método bayesiano oferece uma compreensão dinâmica e transparente das decisões, ajudando decisores a tomar escolhas estratégicas com maior clareza e confiança.
O Sistema 3 pode se beneficiar da inteligência artificial em duas etapas-chave: na entrada e na saída de conhecimento. Na entrada, a IA atua como catalisadora no processo de elicitação, auxiliando na extração de conhecimento tácito de especialistas por meio de conversas estruturadas e perguntas orientadas. Já na saída, a IA desempenha um papel fundamental ao traduzir os resultados analíticos – como parâmetros e previsões de modelos – para uma linguagem de negócio acessível e interpretável, facilitando a tomada de decisão por parte dos usuários finais.
Escala de Raciocínio e Governança
Quanto mais estratégica for uma decisão, maior será a necessidade de governança robusta, que inclua rastreabilidade, monitoramento constante e auditoria eficiente.
- Operacional (ex.: logística): Sistema 1 com alta disponibilidade, modelos simples e consultas rápidas.
- Tático (ex.: precificação dinâmica): Sistema 2 com controle rigoroso, versão clara, reproduzível e aderente a normas internas.
- Estratégico (ex.: decisões de investimentos): Sistema 3 com elicitação estruturada do conhecimento humano, uso de inferência bayesiana e geração de hipóteses práticas para tomadas de decisão conscientes.
Jornada Prática para Implementação de IA no Processo Analítico
Implementar soluções eficazes de IA vai além do uso de algoritmos avançados. Exige uma arquitetura operacional que integre fluidamente a IA aos processos analíticos, respeitando a complexidade e a criticidade das decisões. A seguir, destacam-se práticas essenciais:
- Harmonização de Dados Não Estruturados: Integre fontes textuais como documentos e notícias usando modelos de linguagem avançados (LLMs).
- Chatbot Analítico: Disponibilize canais conversacionais para consultas rápidas e simplificação do acesso aos insights.
- Processos de Elicitação de Conhecimento: Utilize IA para capturar o conhecimento tácito dos especialistas.
- Agentes Inteligentes em Previsão e Otimização: Automatize processos críticos e repetitivos, permitindo foco em decisões estratégicas.
- Governança Integrada: Adote práticas robustas de versionamento, monitoramento contínuo e reversão automática, garantindo total transparência e controle.
Exemplo Aplicado: Previsão do Preço do Minério de Ferro
Para uma indústria siderúrgica, desenvolvemos uma solução avançada de previsão, composta por três módulos integrados:
- Modelagem Bayesiana Multivariada: Combina séries temporais com variáveis econômicas e setoriais, permitindo previsões adaptativas e robustas. A modelagem foi realizada por meio de modelos dinâmicos bayesianos, permitindo a inclusão de restrições nos parâmetros com base em conhecimento prévio.
- Análise Contextual via LLM: Coleta e analisa automaticamente conteúdos especializados provenientes de portais especializados. Esse componente permite identificar de forma automática eventos relevantes que impactam o mercado de minério de ferro, além de gerar análises qualitativas com base no sentimento do mercado, auxiliando na compreensão contextual das flutuações de preço
- Simulação Prospectiva: Integra dados quantitativos e qualitativos para simular cenários futuros, apoiando decisões estratégicas com embasamento.
Conclusão
Distribuir tarefas entre os Sistemas 1, 2 e 3 estabelece um equilíbrio ideal entre agilidade operacional, coerência tática e responsabilidade estratégica. Dessa forma, maximiza-se o potencial da inteligência artificial ao mesmo tempo em que se preserva a relevância essencial do julgamento humano nas decisões críticas. Como destacou o filósofo Theodor Adorno, “A inteligência é uma categoria moral”, ressaltando que decisões inteligentes envolvem necessariamente uma dimensão ética. Para aprofundar essa reflexão, veja o artigo da Murabei: Precisamos de uma Moral Artificial.