O que a análise de marketing precisa para cumprir sua promessa? – Parte II

<<Acompanhe introdução na Parte I <<

A atitude científica é inspirada no Método Científico, que é basicamente uma receita para aprender sobre o mundo de forma sistemática e replicável: você começa com uma pergunta geral baseada em sua experiência; forma uma hipótese que resolveria o quebra-cabeça e geraria uma previsão que pode ser comprovada; coleta dados para testar sua previsão; e, finalmente, você avalia sua hipótese em relação às hipóteses concorrentes.

Em grande parte, o Método Científico – sendo Galileo Galilei considerado um dos pais da sua visão moderna- é responsável pelo impressionante aumento da nossa compreensão do mundo natural nos últimos séculos, mas tem sofrido para entrar no mundo da política, dos negócios, da legislação e certamente no mundo do marketing.

E por quê? O principal culpado é a nossa prodigiosa intuição!. Quase sempre somos capazes de gerar explicações para todo tipo de perguntas, menosprezado assim o Método Científico. Como essas “auto-explicações” são tão plausíveis, nossa tendência natural é simplesmente querer agir sobre elas. Os analistas de marketing são realmente muito criativos e talvez sejam uns dos que mais sugerem explicações plausíveis. Mas uma coisa que a Ciência nos ensina é que a explicação mais plausível não é necessariamente certa, a Ciência não é democrática e quantas vezes basta a tese de uma única pessoa – como Galileo – para derrubar o entendimento de milhares de cientistas!

Para implementar os elementos básicos do Método Científico dentro das empresas sugerimos para nossos clientes focar nos seguintes componentes:


A- Aprenda a definir claramente os problemas do negócio concomitantemente com a definição das hipóteses a ser testadas. Isto parece trivial mas é difícil, exige uma parceria entre os profissionais de marketing, os cientistas de dados e TI.


B- Garanta a reprodutibilidade das análises e dos conjuntos de dados. Qualquer análise poderá (e deverá) ser refeita para comprovar a consistência e veracidade dos resultados. Esta garantia da auditoria de nosso próprio conhecimento é uma das bases fundamentais do Método Científico. Muitas vezes nas empresas certos insights que foram obtidos no passado se perpetuam completamente sem fundamento, sem nenhuma possibilidade de reproduzir a análise, criando as chamadas “crises da reprodutibilidade’ que afetam tanto as decisões.


C- Desenvolva processos que garantam a evolução das análises, lembrando que toda análise sempre será uma simplificação da realidade e por tanto, defasada diante de sua riqueza. O conhecimento é sempre evolutivo, nós evoluímos, as tecnologias analíticas evoluem, o entorno evolui e principalmente o nosso objeto de estudo no marketing (os clientes) está em constante evolução. Desenvolver as metodologias sabendo que as coisas vão mudar ajudará nas validações, na organização dos projetos e na adoção de tecnologias.


D- Use estratégias de modelagem que garantam a interpretatividade das análises. Não abandone os métodos estatísticos, mesmo os clássicos estão também em constante evolução! E quando utilizar algoritmos de tipo “caixa preta”, seja crítico e tente sempre encontrar a interpretação – não terceirize sua inteligencia em um algoritmo! Lembre que o verdadeiro diferencial competitivo nas empesas é a Inteligencia Natural, já que os algoritmos são cada vez mais facilmente reproduzíveis. Acreditamos mais no mundo de centauros, como nos campeonatos de xadrez de Garry Kasparov, onde competem homem&máquina – contra – homem&máquina. Neste campeonato, pressupõe-se que a pessoa tenha que ser um ótimo jogador de xadrez, e não adianta ser apenas um mero operador de computador. 


E- E por último, fundamental!, difunda o conhecimento dentro da empresa. Esta difusão não é simplesmente o compartilhamento técnico de dashboard, hoje cada vez mais criticados e em desuso. Vamos ser honestos, um dashbord é cansativo, ninguém tem paciência para se envolver com números frios e desconectados! Existe a necessidade de adaptar o conceito do paper científico que tem servido como modelo de difusão no mundo científico para dentro do contexto das empresas, trazendo o storytelling para as análises, mas sem perder a organização e estrutura que os dashboard proporcionam.


No entanto, há limites até onde podemos ser verdadeiramente científicos. Ao contrário dos cientistas, que têm o luxo de esperar para fazer um julgamento até que tenham acumulado evidências suficientes, os profissionais de marketing muitas vezes têm que agir em um estado de ignorância parcial. Eles precisam tomar decisões estratégicas, implementar novas políticas, atribuir responsabilidades e recompensas. Não importa o quão rigorosamente se tente basear as decisões em evidências, alguma suposição terá que ser feita.

Mas mesmo neste caso o Método Científico continua válido. Não para dar respostas, mas para destacar os limites do que pode ser conhecido. Às vezes, a única resposta certa é que não sabemos. Alguns acham essa conclusão incompleta, mas uma mente científica deve ser sempre cética do que sabe. Cético em relação aos dados, às explicações plausíveis, à sabedoria convencional e ideologias inspiradoras, e acima de tudo, cético de sua própria intuição. O resultado não deve ser paralisia total ou adesão escrava aos dados, nem deve excluir a criatividade e a imaginação. Em vez disso, deve nos levar a um mundo mais racional e baseado em evidências.

Nessa quarentena, nunca se falou tanto de Ciência, nunca se criticou tanto a Ciência e nunca se teve tanta certeza de que a Ciência é um reflexo das incertezas da vida. Mais que nunca o Marketing precisará, para finalmente cumprir suas promessas, do telescópio de Galileo Galilei.

(Foto: Estatua Galileo Galilei, Pisa, Itália)

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